terça-feira, janeiro 03, 2006

O Professor

As intervenções de Cavaco Silva, na presente campanha eleitoral, deixam passar a ideia (muito em voga nos últimos tempos) de que a sociedade, cada vez mais, se circunscreve à Economia. A assunção deste princípio, se, por um lado, contradiz uma visão dinâmica da sociedade, onde interagem elementos de natureza diferente - económicos, sociais, políticos, psicológicos etc -, por outro, não deixa de ser redutor, e, sobretudo, perigoso. Isto, porque ao circuscrevermos o mundo à imagem da economia, estamos reduzir o homem a uma dimenão meramente instrumental.
Razão pela qual ao invés de uma sociedade desenvolvida, de que fala o candidato, prefiro falar de uma sociedade humanamente desenvolvida. O termo não é meu, mas de Amartya Sen, economista indiano laureado com o Prémio Nobel, e reporta-se um modelo social e produtivo em que todos os tenham igual liberdade para escolher os seus objectivos e finalidades particulares, e nessa procura enfrentem o mínimo possível de obstáculos para a realização das suas potencialidades.
Nos dias que correm, onde o desemprego, a fome e a instabilidade social são realidades recorrentes, os economistas não podem deixar de pensar nos inúmeros desajustamentos sociais provocados pelo capitalismo e a expansão da economia liberal, evitando assumir uma postura excessivamente utilitarista. Quanto mais não fosse por uma simples razão: a métrica utilitarista, medindo graus de riqueza ou taxas de crescimento, tende a distorcer a natureza das privações e a reduzir, de modo inaceitável, o domínio dos valores que moldam a vida de uma pessoa.
O candidato Cavaco, certamente, esqueceu Aristóteles, que, na sua "Ética a Nicomaco", definiu a Economia como uma reflexão sobre os constituintes do bem humano. Razão pela qual não basta dizer que a Economia deve limitar o seu âmbito de investigação ao crescimento da riqueza (sua produção, reprodução etc.), mas tem de ir mais longe, analisando os meios mais justos de promover a sua distribuição, de modo que a que os homens possam usufruir das condições indispensáveis para o seu bem-estar material e intelectual.
Se, enquanto tecnologia do saber, a economia é portadora de grandes esperanças, para que estas efectivamente se concretizem, torna-se necessário colocá-la ao serviço de um projecto global, que realize o indivíduo e npos ajude a suprir as tensões existentes entre a ordem económica estabelecvida e a ordem económica desejável.
Alcino Pedrosa

1 Comments:

At 04 janeiro, 2006 14:02, Blogger Aqueduto Livre said...

Não posso estar mais de acordo!

O que falta ao Professor é mesmo aquele conceito grego que, praticamente, atravessou toda a Grécia clássica, desde os poetas até aos filósofos empiricos:aretê.

O Professor não só não é virtuoso, como não se lhe vislumbra uma "cultura" (ainda no sentido grego) humanista. O que o move, o que o faz correr é mesmo, como tão bem dizes, a métrica dos números, dos racios, dos desempenhos - atrás dos quais se acobertam os dramas pungentes dos que têm fome, dos que padecem de doença, dos que não têm emprego, dos que não possuem casa...

E é este homem que pugna para se instalar em Belém? Pobres de nós se tal hecatombe vier a ocorrer!

Façamos, como Homero dizia ( e o João Grego citou, dando-lhe uma das leituras possíveis)"palavras apetrechadas de asas" e lancemo-las ao vento que passa, para que os corações dos nossos compatriotas percebam quem é este Professor - desumano cidadão, que deveria já estar reformado da política...há, pelo menos, dez anos.

J.Albergaria

 

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