quarta-feira, janeiro 25, 2006

Na vida, na politeia, na chôra, na eclesia - em tudo - é urgente assumir!

Que titulo este! É mesmo, e só, para não dizer logo ao que venho e o que me vai na alma.

1- Cavaco Silva ganhou as eleições presidenciais e fê-lo por vontade do Povo! Está feito.

2-Mário Soares perdeu as eleições presidenciais e tal ocorreu por vontade do Povo!

3- Manuel Alegre ficou em segundo lugar e isso aconteceu por vontade do Povo!


E podia continuar com este tilintar até me deixar adormecer.

Entretanto, apetece-me cerzir alguns, pequenos e inconsistentes, comentários ao que aconteceu.

O Partido Socialista tinha um mau candidato e, provavelmente, daria (caso o Povo lhe tivesse entregado essa incumbência...) um menos bom Presidente da República. Só esta afirmação valerá um tratado de artigos, opiniões, reflexões e programas de televisão. Mas não me apetece ir por aqui e por aqui me quedo.

Manuel Alegre cavalgou uma mula velha para se alcandorar a uma altura desmedida e sem ética: "há mais cidadania para além dos partidos!" dizia o vate repetidas vezes, até à exaustão.

A frase parece duma luminosa originalidade, mas, logo no seu interior se desconjunta completa e desairosamente.

Por definição, os Partidos representam "partes" da cidade e dos cidadãos, não coincidem totalmente com aquela e com aqueles. Mesmo em tirania, em ditadura de partido unico tal nunca ocorreu. Mesmo nesses regimes, sempre houve cidadania para além do Partido. Sempre!

Lembram-se do projecto do PRD? Discurso moralizador da polis, anti-Partidos sistémicos, leader messiánico, encoberto, que somente deu a cara já no declinio do projecto. Mas esse D. Sebastião estava então no Palácio Cor-de-Rosa e pôde criar essa mistificação que se evanesceu em pouco mais que uma legislatura!

Talvez fosse esse o projecto de Alegre. Talvez.Ocupava a Presidência da República e então "patrocinava", qual pai da Pátria, um movimento de causas. Talvez.

A falta de ética do vate, essa advem do facto de, politicamente falando, sempre Manuel Alegre ter estado ligado a "Partidos". Nasceu, cresceu e fez-se o que é - cavalgando o Partido Comunista, a Frente de Libertação Nacional de Argel e, no dealbar do 25 de Abril, o jovem Partido Socialista (dizem que tentou negociar com A.Cunhal o seu regreso ao PC, mas as condições não agradaram ao então lider incontestado dos comunistas...). Foi membro do Governo, deputado, conselheiro de Estado, vice-presidente da Assembleia da República (sempre) pela mão paternal e autocrática do Partido Socialista.

Mas é justo que se diga que Manuel Alegre tem mais vida para além do Partido Socialista. Claro que tem e muita!

Então, ao que vem para aqui chamada a ética, ou a falta dela?

Manuel Alegre fez-se candidato presidencial contra o Partido Socialista, violando uma regra básica no funcionamento dos partidos que é o dever de solidariedade com a Direcção (de que ele faz parte) e com as decisões tomadas pelos órgãos legitimos desse mesmo Partido.

Contudo ele invocou um direito superior às leis partidárias: a Constituição da República. Muito bem. Mas fica a contradição entre o direito da cidade e as leis do Partido. Como deveria ter ele contornado tal situação? Invocando a ética à moda Socrática (esta não é piada nem trocadilho com o engenheiro) e não tripudiando sobre sentimentos nobres e estados de alma legitimos dos seus apoiantes e, sobretudo, dos seus votantes.

Dos outros candidatos não falo - porque, na realidade, não estavam a disputar a Presidência da República, mas a veicular opiniões partidárias sobre quase TUDO.

Para remate de conversa, uma conclusão que me parece mais do que óbvia: o Povo falou e, quando fala, fala sempre bem!

Eu sou daqueles que pensa que o POVO fala SEMPRE bem, mesmo quando não estou incluido no campo dos vencedores. Votei Mário Soares porque era o candidato do meu Partido e por que não me reconhecia em NENHUM dos outros candidatos.

Pronto. Arrisquei estes comentários ainda a "quente". Está dito e arriscado.

J. Albergaria