sábado, julho 02, 2005

O passamento d'um GUERREIRO

Emidio Guerreiro iniciou, dia 30 de Junho de 2005, a sua ultima viagem solar rumo, ao que os maçons, simbolicamente, designam por Oriente Eterno, ou o lugar onde a Luz nunca perece.

Pelo seu notável percurso de lutador ("guerreiro"), começado muito cedo na Academia de Coimbra, prosseguida no Porto, já "maçon" (onde chegou pela mão do portuense Carlos Cal Brandão), participa activamente com o seu pai na revolta do Porto em 1927 contra a ditadura militar de Gomes da Costa - que viria a preparar a emergência do estado Novo - criação do homem de Santa Comba Dão, António de Oliveira Salazar. Nesta revolta tiveram papel de mor relevo, outros dois maçons, vultos impressivos da nossa história: o General Sousa Dias (bisavô da jornalista da RTP Ana Sousa Dias) e Jaime Cortesão - um dos maiores vultos civicos e intelectuais do século XX.

Emidio Guerreiro é, reconhecidamente, o "ultimo revolucionário romântico" - que atravessou três séculos e dois milénios, foi testemunha de duas guerras mundiais, de várias revoluções e da queda do regime dos coronéis na Grécia, de Pinochet no Chile e do fascismo em Portugal, sua Pátria amada e da passagem para a democracia em Espanha, depois de Franco! Assistiu à libertação de povos oprimidos em todos os Continentes: India, Vietnam, Argélia, Médio Oriente, Congo, Angola, Moçambique, Guiné, etc,, etc.

Lutou em terras lusas, militou na causa da República Espanhola, para onde fugiu depois de ter sido preso no rescaldo da revolta do Porto de 1927 e lutou no "maquis" em França contra o invasor nazi! Depois da libertação da França e do fim da segunda guerra mundial, empedernido
democrata e lutador pela liberdade, envolveu-se na militância antifascista portuguesa - a partir de França onde vivia e lecionava matemática - a sua paixão de sempre! Dizia ele que tinha assistido a coisas fantásticas durante a sua longa vida, mas tinha também vivido a resolução "da conjectura de Fermant"!

Rejubilou, com 75 anos, com o 25 de Abril de 1974.

Ajudou a fundar o PPD e, quando o Dr. Sá Carneiro se ausentou para Londres, em pleno Verão quente de 1975 (a pretexto duma doença nunca enunciada...) assumiu a liderança daquele Partido e enfrentou, com inaudita coragem, a deriva esquerdista que se tinha "apossado" aparentemente do País.

Os seus discursos parlamentares desta época atestam-no sem margens para dúvidas! As suas acções e os compromissos que assumiu com outros democratas (veja-se os seus amigos fiéis Edmundo Pedro e Fernando do Amaral...) e com a ala moderada e civilista do MFA (Vasco Lourenço, Vitor Alves, Costa Brás, Pezarat Correia, nomeadamente), confirmam-no de modo inquestionável!

A sua dedicação à Maçonaria, durante 77 anos, levou o Grande Oriente Lusitano, pela voz do seu Grão Mestre, António Arnaut - a outorgar-lhe a mais importante comenda maçónica: "O Grande Colar Maçónico -Ouro atribuido a quem "na maçonaria tenham cumprido 50 anos de vida activa, devotada e impoluta".

A 30 de Junho de 2005 morreu Emidio Guerreiro, homem duma enorme probidade que nunca sofreu questionamento sério.

Por sua vontade expressa, o corpo veio de Guimarães para o Palácio da Maçonaria Portuguesa, na Rua do Grémio Lusitano.

Quiz que as cerimónias funebres não tivessem qualquer tipo de ostentação, não tivessem qualquer carácter religioso, pediu flores singelas, onde predominassem os cravos vermelhos e os brancos. Pediu para que qualquer simbolo, de qualquer religião, fosse banido das cerimóniais oficiais. Aceitava-as se alguém as usasse a titulo estritamente pessoal!

Pediu ainda que parassem o esquife na Sede da Associação 25 de Abril (da qual era sócio emérito) - para que ele pudesse honrar a gesta dos Capitães de Abril!

Antes de partir, assumiu várias decisões e disposições e, entre elas, uma que podem ser assumida como legenda de uma vida longa, digna e de uma riqueza ímpares.

Pagou num restaurante de Guimarães (a ementa foi escolhida por ele) um almoço para os amigos mais intimos, para ser realizado no sétimo dia do seu passamento. Exigiu tão somente que os amigos se reunissem em alegria, em franco e rico convivio e o recordassem - como se estivera entre eles!

Emidio Guerreiro, por muito ter vivido, era um optimista!

Apologista impenitente da trilogia da revolução francesa, e da maçonaria, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, gostava de afirmar:

o século XIX foi o tempo da Igualdade;
o século XX foi o da Liberdade;
o século XXI há-de ser o século da Fraternidade!

Assim possa ser!

Que o exemplo deste cidadão, que gostava de dizer, citando Goethe, que todo o homem tem duas pátrias, " A sua e a da França!", possa florescer, dar frutos e ser estudado nos manuais da história - pelo muito que se lhe deve e pelo pouco que em vida lhe retribuímos!

Termino, recordando-me do poema que ele mais amava, "Ma Liberté" de Paul Eluard, dizendo-lhe, nem adeus, nem até amanhã, nem até sempre, simplesmente: LIBERDADE!


José Albergaria