quarta-feira, junho 01, 2005

Visita a Quíron

Quíron queixava-se aos homens das sombras que feriam seus dias
e pediu ao tempo a morte. Mas Quíron falhara na vida pelo que o
tempo não lhe concedia a morte. E Quíron errava pelos bosques como
nosso pensamento erra pela luz. Corria como cavalo mas pensava como
homem pelo que Quíron não era feliz nas madrugadas de gema nítida
no coração adolescente do silêncio. Um ovo alvo como um seio prendia
Quíron à terra. A vida brincava com Quíron. Dizem os antigos que
era verdade. Quíron concebia a luz como movimento para o Caos…

Quíron quirónico é o momento em que nos achamos em excesso na
ondulação tardia das mãos áridas. No crepúsculo Quíron meditava
nos deuses longos que de séculos em séculos acontecem e sorria.
Porque Quíron pediu a morte e não a divindade. Porque Quíron
Galopava pelas palavras como se na areia seus cascos pudessem
voar. Tudo amava Quíron porque tudo passava e Quíron dizia aos
discípulos: rente ao prazer está a morte: diverti-vos. Somos meteo-
ritos pensantes ─ erramos pelo infinito como empréstimo

Mas Quíron dizia a Aquiles: os pés são dolorosos e fatais
para quem ama a vida porque neles se envelhece. Aquiles re-
corda que Quíron tinha o galopar do vento e o espírito dum
céptico e teve de rogar aos deuses a morte porque ainda se
não conhecia o suicídio. Tinha discípulos inteligentes que
disseram grandes coisas mas não conseguiram descobrir a grande
evidência do ovo de Colombo. Quíron se teve filhos foi para
se torturar ─ a noite habitava nele como o odor na morte.

Centauro falhado um tipo sebento e humilde o cavalo da tele-
visão Quíron pastou comigo nas praias sem pasto e nos desertos
de cactos, confidenciou-me amores ilícitos dos deuses instalados
na fácil eternidade do sexo madrugador e calou-me os lábios
besuntados líricos de raízes venenosas. Ah Quíron que me disseste
um dia: olha as árvores bastardo dos deuses, irmão dos homens.
Quando as puderes olhar sem o deslumbramento da infância
então recolhe o corpo à morte que Quíron te perdoa poderes morrer.


Rogério Rodrigues

1 Comments:

At 01 junho, 2005 21:21, Blogger Aqueduto Livre said...

Se não sou eu a ter a iniciativa, nunca mais temos poesia de altíssima qualidade no blog. Sem desprimor para o arrojo poético do Zé Albergaria, que me permito corrigir, no que ao rifão respeita:
«A ignorância e o vento são do maior atrevimento».

António Moreira

 

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