terça-feira, julho 12, 2005

Em louvor do Mestre

Em louvor de ti
Emidio Guerreiro,
Professor daquela disciplina
Que misturava
Matemática e liberdade,
Homem de rija cepa,
Cidadão impoluto,
Longevo animal,
Irmão fraterno,
Dir-te-ei só,
Porque cantar não sei,

-Foste tão cedo, porquê?

Agora já não moras em Paris
Nem polemizas pelas ruas da Sorbonne
No Maio de sessenta e oito

Nem trilhas os caminhos de Santiago
Nem carregas fuzil e cantil
Pelas veredas da guerra d'Espanha

Nem pisas as urzes do maquis
Nem poisas a dinamite
Na sabotagem dos trilhos nazis

Nem comandas as hostes social-democratas
Nas calendas d'Abril a declinar
Barrando o caminho a nova ditadura

Nem dissertas sobre a conjectura de Fermat
Nem dizes os cantos dos Lusíadas
Nem te aprazes na amesendação da amizade

Nem pedes ao povo do Porto,
Enchente de merda as mãos,
Para no Carmona traidor a postarem!

Num dia, parecido com outro qualquer
Partiste, sem te fazer anunciar

Ela, dona Morte, não t'apanhou desprevenido
Deixaste todas as disposições escritas.

As flores que t'acompanhariam,
Os amigos e parentes a honrar,
As tuas convicções de sempre
Até o banquete d'amizade no sétimo dia!

Tudo estava justo e perfeito,
Como foi teu desejo!

Príncipe que foste,
No Palácio estadiaste!

Soldado de mérito
Em terras de França,
Não t'esqueceste d'honrar
Os nossos capitães abrilistas!

Hoje, quando t'apresentaste
De rigor paramentado
Naquele lugar solar
Onde nunca perece a luz
O venerável guarda anunciou-te:
-A palavra sagrada?
Tu, humilde guerreiro, garboso, respondeste:
-Liberdade!

Agora, agorinha, pareceu-me ouvir-te clamar,
Sonoroso e determinado
Com aquela tua voz drapejada
de sons galaico-durienses:
-"Que os trabalhos retomem força e vigor."

Nós, patrícios de nobre e augusta ordem,
Humildes canteiros
Pedreiros incipientes
Construtores impenitentes
D'utopias planetárias
Seguimos-te tranquilos e apaziguados

Nós, os que não partiram
Cinzeladores da pedra bruta
Reconstrutores do templo
Em demanda do santo graal
Da palavra interrompida,
Respondemos-te, luminosos e humildes,
Com aquele som mágico
Da perfeita trilogia:

Liberdade! Igualdade! Fraternidade!

José Albergaria