segunda-feira, junho 13, 2005

Alvaro Cunhal: várias "pessoas", muitas "mascaras", uma só personagem

A morte anunciada de Alvaro Cunhal ocorreu hoje dia 13 de Junho, exactamente no mesmo dia em que Fernando Pessoa (o estranho estrangeiro) nasceu.

Hoje dir-se-ão muitos disparates sobre o Homem, sobre o actor da história, sobre o político, sobre o escritor, sobre o desenhador e sobre o papel relevante que teve no Século XX.

Discussões acaloradas já estão a desenrolar-se em torno do Homem e dos olhares que outros têm sobre o mesmo.

O comentário "solto" de Mário Soares, feito pela manhã, sobre Alvaro Cunhal já desencandeou uma míriade de opiniões apaixonadas!

Zita Seabra escolheu como in memoriem a prática de desenhador de Cunhal durante as reuniões partidárias.

Muito se dirá sobre Ele, mas muito mais se construirá em torno do Mito.

O PCP se encarregará de o confirmar.

Há uns bons anos atrás, alguém próximo de Cunhal, dizia:"Ao Alvaro só lhe falta conquistar o Poder!" Este poder não era o do Partido, mas o de Portugal.

Sempre lhe pesou muito esse insucesso e era o que mais o incomodava na relação "tensa" que manteve com Mário Soares.

No XX.º Congresso do PCP, realizado no Porto, em "vésperas" das Eleições Presidenciais de 1986, Alvaro Cunhal afirmou, na tribuna do mesmo, naqueles seus discursos de três horas, e cito, repetindo a frase três vezes: (...) "em nenhuma circunstância votaremos Mário Soares!"

Todos sabemos a história posterior...

Um outro aspecto curioso, dum periodo da nossa história recente ainda por aclarar, passou-se durante o 25 de Novembro de 1975.

Diz-se que Cunhal foi o reponsável por não ter havido uma Guerra Civil em Portugal. Isto já faz parte do Mito. O que é certo é que a 27 de Novembro de 1975, numa reunião de "quadros" do PCP, completamente detroçados e sem ânimo, Cunhal terá afirmado que " o Careca (o Almirante Rosa Coutinho) não teve coragem para fazer avançar os fuzileiros".

As duas unidades militares então com capacidade para desiquilibrarem a relação de forças: os Fuzileiros de Vale de Zebro e os Comandos da Amadora. Como se sabe os Comandos de Jaime Neves avançaram - em defesa do modelo de Democracia sustentado pelos Nove (Vasco Lourenço, Melo Antunes, Vitor Alves, etc). Os fuzas, esses, ficaram-se nas covas da margem esquerda do Tejo!

A obra espantosa de José Pacheco Pereira sobre Alváro Cunhal, em quatro enormes volumes (já sairam dois) trás este fantástico personagem à luz do dia, dando-lhe as cores do Homem e da sua circunstância!

Que Cunhal era um sobredotado? Ninguém questiona tal qualidade! Que Cunhal poderia ter sido enorme se tivesse abraçado a escrita de ficção? Ninguém duvida de tal. Que Cunhal poderia ter sido um grande pintor e um excepcional tradutor de Shakespeare? Ninguém põe em causa tal presunção.

Agora, o que de facto Cunhal quiz ser foi o Leader incontestado do PCP, formantando-o aos tempos que lhe calhou em sorte viver. Isso ele conseguiu plenamente.

Veja-se ainda a sua dedicação sem limites à Causa da União Soviética (que durou décadas...) e veja-se, depois da implosão do Império, a aproximação que o PCP faz, ainda sob a sua Direcção - ao Partido Comunista da China, com quem travou violentos combates ideológicos, mas que razões pragmáticas o obrigaram a "ponderar" e a "considerar".

Há quem afirme que Alvaro Cunhal queria instalar em Portugal, uma espécie de Cuba da Europa. Errado. Nunca esteve nos projectos da União Soviética desiquilibrar a Aliança Atlântica. Enfraquecê-la: sim! Destrui-la: nunca!

Hoje, muito se dirá de Cunhal.

Merece-o porque atravessou o Século XX, não só como testemunha atenta e privilegiada, mas como actor de primeira grandeza - dum mundo que hoje já não existe!

Este é o drama dum Homem e duma Vida excepcionais vivida na luta por um Ideal (é o que é comum dizer-se...) que se evanesceu, que desapareceu!

O que a História guardará dele? Não faço a mais pequena ideia.

Mas como a História é escrita pelos vencedores, desconfio muito em quantas linhas se falará do seu papel na luta antifascista e na construção do regime democrático pós 25 de Abril de 1974


J. Albergaria